Bang Bang
Jorge Ialanji
Filholini
Ele vestia uma camiseta escrita "Exército de Deus". Entrou no
bar. Tomou um gole da Ypióca e sacou
o revólver no salão. Matou o pastor Paulo na sarjeta. Dois tiros na testa e o
último na boca. "Esse aí fará o culto no inferno". Corri. No primeiro
disparo eu já estava em cima do muro do Aguinaldo. Poucos ficam para contar
história. Esperar para ver duelos desses bêbados metidos a John Wayne? Eu não.
Dias de faroestes para mim ficaram na infância. Sei lá, tem uns aí que não
cansam do bang bang. Vou eu culpar?
Nem pito. Escondo minha indignação no copo americano cheio de cerveja. Quanto
mais se bebe mais se vive. Meu avô falou pro meu pai, meu velho repetiu pra
mim. Morreram depois dos oitenta. Cirrose. Melhor que uma bala no fígado. Vai
por mim. Nunca vi o sujeito no bar. Nem sei de qual lugar ele veio. Estava
sentado na cadeira do balcão antes de eu chegar. De costas para a minha mesa.
Cabeça baixa. Quem não conheço não puxo papo. Vai que. Foi o que aconteceu. O
pastor, de fogo, chamou os crentes de imprestáveis. Concordou com Judas. Disse
que Jesus nunca existiu. Aí o papo encurtou igual reza de malandro. O
forasteiro apertou o gatilho. Em nome do pá. Amém. Deu pra ver que o pastor não
tinha colete divino à prova de balas. Olha ali. O dente de ouro do moribundo
profeta continua no asfalto. Roubar? Tá é louco? Não sou bobo de mexer com
isso. Vai que Deus tá olhando.
foto: Marcelino Freire
Jorge Ialanji
Filholini é escritor, produtor e editor. Em 2016, publicou o livro "Somos
mais Limpos pela Manhã" (Selo Demônio Negro), finalista do Prêmio Jabuti.
E em 2019 lançou a obra de contos "Somente nos cinemas" (Ateliê
Editorial).
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