Cinco poemas
Mauricio Duarte
No fim de todas as coisas
o que será
de nós quando
terminarmos nosso próprio nome?
às vezes me lembro do seu
sorriso dentro do meu nome
ou, como posso dizer, do meu
nome se agarrando aos seus dentes
e de como meu nome era alto e
rigoroso na bandeira de sua voz
qualquer coisa marcial e
sem escapatória era na
sua boca meu nome
era assim, como posso dizer,
um nome dito com quem diz
uma fábula secreta, um coração
secreto, um atestado de vida
talvez eu só queira explicar
como o som do meu nome
dentro da sua boca emprestava
realidade à minha vida
mas e quando esse nome for
engolido pelo esquecimento
e quando cair no fundo de
sua garganta, imprestável saliva?
Confessionário
costumo
pensar que
estou profundamente
fora de lugar
talvez
seja a época
não há bandeiras no céu
a vida é apenas ordinária
o século
convulsivo ficou
para trás junto com o
tempo de ser grande
talvez
isso explique
este desejo estranho
bem no meio da tarde
esta
súbita vontade de pegar
em armas e morrer ao menos
com um pouco de coragem
arte: Helen Fadul
Sem título
é
impossível precisar
quantas vezes morremos
num único dia
esta febre sem remédios
esta ausência
este incômodo
é não conseguir
achar posição
na cama na cadeira
se virar de lá pra cá
entre dores e esperas
este desconforto
como se houvesse
ossos demais
no corpo
Sem título II
como se
fosse por acaso
uma indefinida tarde de junho
e a luz dos seus ossos atravessasse
a podridão o esquecimento
de sua carne e seus passos vibrassem
nas calçadas de uma cidade comum
como seus gestos fossem crianças
alucinadas saudando a loucura
sob um íntimo sol que carregasse
pendurado no pulso
e nos
restasse a nós cães servos
buscar a migalha suprema
por trás dos dentes da língua do crânio
o pingente mais doído da alegria
seu sorriso: ignição de arrepios
Uma tarde espanhola
uma tarde
vi poemas caírem do céu em Madrid -
as filipetas, girando suspensas no vazio, brilhavam
como chuva de metais contra o sol do fim da tarde
helicópteros
as despejaram sobre toda a cidade
filipetas com pequenos poemas impressos
as pessoas
corriam pelas calles, rodopiavam
nas praças, uma amorosa desordem
invadindo a modorra do dia administrativo
como que
em transe, homens e mulheres, velhos e crianças
alçavam seus braços aos céus, sem saber ao certo o que viria
as pessoas
estendiam as mãos, mas não em súplica -
e sim
como quem busca o fruto maduro no galho mais alto da árvore
para colher o poema que, sem que soubessem, nascia daquele gesto
Mauricio Duarte é jornalista, autor dos livros de poemas A arquitetura das constelações (Editora Patuá, 2017), Balde de água suja (Editora Patuá, 2015) e Rumor Nenhum (Editora 7Letras, 2007). Vem publicando nas principais publicações literárias do país, como as revistas Cult, Lado7, Inimigo Rumor, Revista Gueto, mallarmargens, entre outras. Nasceu na capital paulista em 1981.
foto: Diego Ciarlariello