Paula Toni e a captura da delicadeza

entrevista exclusiva da artista Paula Toni, por Ian Uviedo

1 - Vamos começar pelas suas pinturas. Sabemos que a necessidade de expressão pela imagem é uma das primeiras a se manifestar na infância - só perdendo para a voz. A maioria das crianças pinta, desenha, etc. O seu impulso de tornar-se pintora vem daí, como um desenvolvimento natural disso, ou houve algum momento definitivo, posterior, para que você escolhesse a pintura?

R - Tenho lembranças, sim, dessa etapa criativa da infância. Mas foi frequentando museus e vendo filmes, mais velha, que eu tive uma grande vontade de estudar artes e começar a pintar.

2 - Observando seu trabalho, dá pra notar que enquanto artista, você dá preferência para representar cenas e situações do cotidiano, momentos singelos que passam despercebidos pela maioria das pessoas, retratados nas suas pinturas com delicadeza e melancolia. São fachadas de casas, estações de trem, pessoas dormindo no transporte público, objetos de mobília, etc. Como você seleciona o que quer pintar?

R - É algo muito cambiante para mim. Quando se trata de pessoas, eu fico bastante interessada nesse tipo de imagem que parece que algo ocorre ali, imagens que têm algum tipo de narrativa sem, contudo, sair desse cotidiano que você falou. Me interessa muito os trabalhos dos artistas que você comentou ao falar do meu trabalho no VêSó da edição anterior, Edward Hopper, Wanda Pimentel, Luchita Hurtado, e acrescento a eles Volpi, Eleonore Koch, Peter Doig e Mamma Andersson.

3 - Além de pintora, você trabalha na Cinemateca Brasileira, instituição responsável pela salvaguarda da produção audiovisual do país, atual alvo deste governo ignorante que ataca toda e qualquer forma de cultura e história. Pode nos contar um pouco sobre como tem sido trabalhar lá nestes tempos, e qual sua relação com o cinema? Filmes são uma referência pra você na hora de pintar?

R - Era frequentadora de lá quase há uma década quando fui contratada para trabalhar com a conservação do acervo da Embrafilme. E, agora, fui um dos 63 técnicos demitidos sem pagamentos de salários ou rescisão. Sobre essa experiência, vou parecer dramática ao falar, mas sim, foi uma sequência de golpes muito dolorosos. Assisti, em casa, por notícias desconexas, manchetes absurdas, um desmonte. Na verdade, acho que estamos assistindo a vários desmontes, não é? Acredito que o país está sim escolhendo um caminho muito perigoso ao lidar de forma tão arbitrária com a cultura. É um desperdício de investimento, pesquisa. A área da cultura, no Brasil, ainda carece de políticas públicas que a sustentem de forma duradoura e elas precisam partir minimamente do estado. Mas este, no momento, age na contramão do bom-senso.

O cinema faz parte de minha formação, e penso que tem uma influência muito grande em boa parte do trabalho artístico contemporâneo. Wong Kar-wai, Wim Wenders, Abbas Kiarostami, Naomi Kawase, Apichatpong Weerasethakul são cineastas que trabalham com imagens que me atraem bastante.

4 - Agora, o seu processo. Como falamos na pergunta 2, você tem lançado um olhar único e sensível sobre as coisas do cotidiano. Como se dá essa transferência do real para o papel? Você usa técnicas de observação, tira fotografias para utilizá-las como referência depois, tudo surge da memória, da imaginação? Ou nada disso?

R - Tudo isso. Tem coisas que eu realmente vou e fotografo pra poder desenhar depois. Muita coisa que eu coloco na pintura são elementos que eu desloco, dependendo da composição que quero fazer. Também faço bastante desenhos de observação. Eu não gosto de me prender muito a uma obrigação de executar o desenho de certa forma, acho que a gente tem que tentar achar a imagem como pode, e, fotografar, retirar de filmes, por observação, são todas opções que podem se complementar.

5 - Para terminar, queria falar sobre como fazer o seu trabalho chegar nas pessoas. Diante da maturidade de sua pesquisa, dá vontade de vê-lo em contextos de melhor exibição. Qual suporte, hoje, te interessa mais? O espaço da galeria ou o espaço de uma publicação, um livro, por exemplo?

R - Planejo fazer uma publicação e estou estudando como isso seria possível. Gosto muito da ideia de algo que possa ser manuseado, folheado. Mas também acho o espaço expositivo, qualquer que seja, algo muito importante de ser ocupado também. 

artes, da esquerda para direita: Jandira, Sem título 2 e Sem Título.


Paula Toni. Formada em bacharelado de artes visuais pela USP, tem também formação em conservação de acervos e gestão cultural.
Trabalha principalmente com pintura e gravura, utilizando imagens de referência cinematográfica.
  

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