Cartão amarelo ou gol contra
JoMaKa
Certo dia,
Rudá voltando para casa se encontra
com uma projeção anterior. Confuso, ele não sabia se via a si ou se estava
delirando. Mas seria possível, logo agora mais delírios?
Delírio ou não, Rudá resolveu não
entrar pela porta de sua casa daquela maneira, propôs uma volta no quarteirão,
chegou novamente no portão e viu que tinha uma carta.
Assim, entrou.
Deixou os sapatos sem tapete do lado
de fora. Tirou a roupa ali mesmo e foi para o chuveiro. Naquela ocasião, mais
que eliminar vírus ou amenizar o calor que sentia, Rudá queria mesmo era estar
limpo para ler a correspondência.
Quem seria correspondente ali?
Outro dia,
as vibrações mudaram com o calor que
Rudá sentia enquanto dormia, ou tentava dormir.
O estômago roncava e ele não tinha
ânimo nem pra buscar uma banana logo ali, na cozinha.
A cama consumia Rudá,
Rudá congelou com ou no próprio suor
de seu calor.
Cuecas estavam espalhadas feito
bandeiras, ele se esqueceu de colocar bateria no telefone e perdeu justo a sua
ligação.
Deu pra ouvir, então, umas flautas
indianas que por si só pareciam lhe contar toda uma aventura, uma saga, uma
história, sabe-se lá. Ele queria entender direitinho o que era um conto pra ter
certeza de que estava fazendo um, ou que talvez algum daqueles outros escritos
já tenham sido uma espécie de um. Olhou para o lado enquanto escrevia e viu um
vidro de álcool que lembrava o mundo, a pandemia, alguma profecia, um
desespero, qualquer esperança.
A música dançava e ele agora só
queria saber de hinos. Os hinos que representam essa cena.
Rudá resolve enviar uma correspondência.
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arte: Camila Assad
Oi,
eu ao menos viajo em querer as imagens que crio, quase guiado pela trilha de uma fantasia, comemoro. Celebro, torço, grito, choro de raiva ou de uma explosão de emoções que beiram à adrenalina ou à sensação do paraquedas que eu nem nunca pulei, mas vivo.
Abraços,
Rudá
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E depois respondeu.
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Rudá,
Eu senti um pouco disso com o galão
da massa, na época fiz até uma tatuagem... Conforme você foi descrevendo eu me
via no estádio até mesmo congelado pelo suor do meu calor. Confesso que essas
sensações no estômago, como quando foi quase, ou de impotência, como quando só
se pode assistir e rezar pra que aquilo mude, que dará tudo certo pela visão
que às vezes é apenas a dos camarotes e arquibancadas.
Que bom saber sentir, acho que pior
seria andar preso pelos fios de marionete, ou por controles remotos. A gente
sente, ao menos isso é lindo. Sinto muito pelas traves, faço votos que siga
sentindo, que doa, que alivie, que esperneie, alegria, boas risadas.
Abraços!
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Logo ali na esquina, um correio.
JoMaKa
nasceu em 1991, na cidade de Belo Horizonte. Pessoa intersexo
transmasculina não-binária. Poeta marginal antimanicomial, artista da cena,
performer, produtor cultural, organizador da "Coletânea Academia
TransLiterária" e integrante do coletivo Academia TransLiterária. Vez ou outra
é Pochety, o palhaço. Estudante de Letras, pesquisador, tradutor, revisor,
palestrante e, em 2016, foi eleito Delegado Nacional de Direitos Humanos, em
decorrência de sua atuação pela pauta LGBTQIA+. Em 2020, o livro "Generalidades
ou Passarinho Loque Esse" JoMaKA recebeu sua 3a edição, pela editora Impressões
de Minas. Também em 2020, fez sua primeira participação na Balada Literária, no evento Sarau da Diversidade, com apresentação de Ed Marte e
Renato Negrão.
foto: Júlia Sá
Camila Assad é caipira de Presidente Prudente (SP). Estudou Arquitetura e Urbanismo. Escreve, traduz, desenha e recorta porque acredita enfaticamente no "failbetter". É autora de Cumulonimbus, Eu não consigo parar de morrer e Desterro, obra contemplada pelo ProAC na categoria criação literária. Adora pesquisar e criar tudo que se relacione às cidades e sua dinâmica caótica.
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