Dois poemas
Paulo Lins
TEU NOME É MEU
Ela
me deu vinte e oito cavalos dourados
vinte
e oito armaduras de ouro
vinte
e oito procuras e desejos
e
fez-me ator e bailarino e poeta
e
a rima rima com o ímã
e
o amor rima com o temor
Barrocos
e concretos sabem isso
Cri,
vi,
escrevi
este
escrito
sem
segredos, sem desejos
Ele
se lançou no ventre
colocou-se
dentro da força do ímã que existia entre ela e eu.
Hoje
não existe Península Ibérica, nem África, nem a
ânsia
de mundo
novo
O
meu amor morreu de temor
nessa
manhã de mármore e vento
que
se instaura em minha voz
Minha
voz, meu refúgio
foz
de minha existência
que
abandonou o canto
que
abriu mão da loucura
Só
um coração tem voz para dizer que está farto
largando
a tristeza, essa locomotiva,
nas
linhas de ferro do eu de nós
Eu,
que tantas outras vezes, morri
de
tiro
facadas
porrada
e
América
de
novo pronto para morrer
do
novo
Eu,
pronome pessoal de todas as pessoas
O
pronome substitui o nome, mas o nome não substitui
homem
então
vou falar seu nome, vou digitar seu nome, pois até
o
seu pronome
morreu
contido na pessoa
Só restou o nome, o nome que fica para os poetas.
Para Roberto Schwarz
Fui
feto feio feito no ventre do Brasil
estou
pronto para matar
já
que sempre estive para morrer
Sou
eu o bicho iluminado apenas
pela
fraca luz das ruas
que
rouba para matar o que sou
e
mato para roubar o que quero
Já
que nasci feio, sou temido
Já
que nasci pobre, quero ser rico
e
assim meu corpo oculta outros
que
ao me verem se despiram da voz
Voz
solta virando grito
Grito
louco ao som do tiro
Sou
eu o dono da rua
O
rei da rua sepultado vivo no baralho
desse
jogo
O
rei que não se revela
nem
em paus
nem
em ouro
Se
revela em
nada
quando estou livre
renada
quando sou pego
pós
nada quando sou solto
Sou
eu assim herói do nada
De
vez em quando revelo o vazio
De
ser irmão de tudo e todos contra mim
Sou
eu a bomba humana que cresceu
entre
uma voz e outra
entre
becos e vielas
onde
sempre uma loucura está para acontecer
Sou
seu inimigo
Coração
de bandido é batido na sola do pé
Enquanto
eu estiver vivo
todos
estão para morrer
Sou
eu que posso roubar o teu amanhecer
por
um cordão
por
um tostão
por
um não
Meço-me
e me arremesso na vida
lançando-me
em posição mortal
Prefiro
morrer na flor da mocidade
do
que no caroço da velhice
Sem
saber de nada me torno anacoluto insistente
Indigente
nas metáforas de tua língua vulgar
que
não se comprometeu
Pois
a minha palavra
(
a bela palavra )
Inaugurada
na boca humana, a dama maior do
artifício
social
perdeu
a voz
Voz
sem ouvido é mero sopro sem fonemas
é
voz morta enterrada na garganta
E
a palavra vida muda no mundo legal
me
faz o teu
marginal
(poemas
publicados originalmente na antologia Esses Poetas,
organizada por Heloísa Buarque de Hollanda)
Paulo Lins é poeta, romancista, roteirista de
cinema e televisão e professor licenciado. Autor de clássicos como "Cidade de
Deus", romance adaptado para o cinema com quatro indicações para o Oscar, e
"Desde que o Samba é Samba", que terá sua adaptação para a televisão em
breve.
foto: João Wainer
Leia também
- Duas notas sobre o filme da morte, J.P. Cuenca
- Poema a um jovem artista, Valéria Barcellos
- Íris de Infância - sobre cinema, literatura e sonhos, Clodd Dias
- A representação das mulheres no terror, Michelle Henriques
- Bang Bang, Jorge FIlholini
- Cineclube, Marcos Benuthe
- Registros fósseis, Ian Uviedo
Entrevistas
- Fernanda D'Umbra, linguagens, liberdade e afirmação
- Paulo Lins, o Brasil e o roteiro que não deu certo