Elisa Giannella
(sem título)
ontem dizia:
o corpo o tempo todo
se acaricia sozinho
e pensava que a carícia
é um jeito de pertencer
à época
hoje não sei apontar
onde fica o baço
já desconfiei de apendicite
não posso fazer
parada de mão
o pulso não aguenta
mais
o médico diz que
meus órgãos funcionam bem
respondo que
não sou trapezista
não corri maratonas
uso o corpo pra guardar
os silêncios possíveis
Eles vêem meus órgãos
antes de mim
- funcionam bem!
antes de ontem
pensava o estômago
como uma piscina
cheia de feijões sorridentes
hoje não sei quem sorri
na minha barriga
qualquer dia pode ser que
por acidente
alguém comece a sorrir ali
mas tem que ser acidente
eu não tenho coragem
criar um estômago a mais
não cuido bem
da minha fome e
muito menos o mundo
imagina
mais um pra pertencer
à essa época
Funções
nasci longe
de onde se vê fauna
nasci com a barriga encostada
nas paredes
acariciada por elas
os muros todos gostaram
do meu nascimento
dei aos muros um propósito
a terra não me viu de primeira
muita coisa acontecia
nessa antiga ancestral
a terra acariciava os mortos
eu tinha nascido para os muros
me pôs em movimento
tenho fugido dos sons do mundo
a terra me convida baixinho para um café
é mais fácil habitar
as casas
os muros às vezes se aquietam
Hopi hari
I.
é noite
debaixo das cobertas
teu único parque de diversões
II.
sempre fechava os olhos
ao andar de montanha russa
não sei se temia os parques
ou tinha saudade dos sonhos
III.
Splash era um escorregador
em que a gente descia de barco
feito pra deixar úmido o corpo
o dia inteiro
igual a gente na cama
- Splash
ficar úmida o dia inteiro
IV.
elevador
subir devagarinho, dedicar-se
pra achar bonita a amplitude
por um instante até
despencar
dedicar-se
pra ajeitar as vísceras
voltar a gostar do pequeno
e pertinho
V.
me recuso a falar da catacumba
nem essa aqui pertinho.
Paulistana com um pézinho na mantiqueira, ELISA GIANNELLA é arte-educadora, poeta e investigadora das linguagens. Graduada em Licenciatura em teatro pela UNESP, pós-graduanda em cultura e educação pela FLACSO e professora de Arte na rede pública. Tem escritos, desenhos e colagens publicados em coletâneas de poesia independente e auto publicados nos zines manual para escolher seus nomes (2018) e pequenos ajustes (2019).