Íris de Infância – sobre cinema, literatura e sonhos

Clodd Dias

Ela com seu olhar parado, estático ouvia atentamente as histórias doidivanas de seu avô preto que nascera no circo de Limeira.

Cada algodão doce, cada aventura contada que quase ria de fazer xixi nas calças.

Era domador de trapézio... Bailarina leoa... trapezista mágico... Coelho voando pelos ares arremessados pelos canhões... era plateia chorando da palhaçada dos equilibristas. Era tudo do avesso... tudo contrário e estava tudo certo.

Um zigue-zague de emoções que mexia com o coraçãozinho da menina sabe, ouvia tantos saberes, tantas possibilidades que começara a entender que aquele avô preto que fora escravizado lhe ensinara a ser livre: Seja liberta!

A criança possui isso nato. Brinca, corre, se esborracha, chora, se levanta e continua a sorrir e seguir.

Ela, a menina, um dia cresce, fica linda, voa pela vida como serpentina colorida no carnaval, como purpurina enfeita a vida e coquete se enfeita, pois aprendera com inteligência desde pequena que podia ser o que quisesse ser.

A literatura e o cinema, suas grandes paixões de hoje em dia a fazem lembrar novamente daquele preto, seu avô circense, que de João-bobo nunca teve nada. Mesmo que no circo da vida muitas vezes teve que levar boladas na boca de caçapa e aprender a sorrir banguela.

Riso frouxo pão com ovo mas seguiu.

Como morder uma maçã do amor sem dentes?

Picadeiro ingrato.

No cinema conseguia reproduzir com movimento e cores suas histórias de pequena.

Cineasta e poetisa ela era.

Moça das cores.

Moça preta que atravessou o espelho de Alice e caminhou perdida, mas com o passar do tempo, apressada pelo Coelho, tomou a poção e não encolheu, mas sim cresceu e cresceu. Floresceu!

Seu olhar agora era uma lente, uma câmera que como um Exu abocanhava o Mundo.

Sua fome era tamanha e seus olhos comiam paisagens... personas... equipes... figurinistas... assistentes... roteiros... graxa... gentes!!!

A dona do Mundo! Uma Chaplin! Uma bonequinha de luxo a desfilar sua beleza negra na Central do Brasil.

Quereres podem tudo. Podem até tornar a carne trêmula.

Até sonhar e realizar!!!!

Fim do picadeiro.

Começo da história.

Não era um Patinho feio

Cisne Negro

Ação!


Clodd Dias é atriz, cantora e poetisa trans paulista de nascimento, mas cosmopolita por condição. Clodd atua há mais de 20 anos no cenário teatral paulistano, com prêmios, peças e poesias na bagagem. Ela vem da escola Célia Helena de atuação (entrou em 98) e dali alçou vôos em muitos curtas, peças de teatro e musicais. Faz parte de coletivo negritudes de São Paulo e leva em sua atuação e textos a transexualidade, a negritude e ancestralidade do candomblé.

foto: Douglas Garcia

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