Três poemas inéditos

Marcelo Ariel

Queimar ao

nascer

é um grave crime contra

a vida

do não-ser

que cometemos


apesar do

irremediável encontro

com o não-tempo

quando o corpo

ao ser por todos
os eus abraçados
como o nó de água


do beijo que desarma,

jamais toca

na paisagem,

que esconde a Alma

apenas sussurrando

seu endereço

para algo

que nela permanece

incompleto

como uma árvore

que cresce só

até o tronco

e depois morre

incendiada:

 assim se cumpre

o irremediável

e irreversível

 roubo ,

que em profundo

sono

jamais percebemos.


Blues para ele mesmo

Que ele caia no abismo

do incondicionado

Que ele não seja Real

que só tu o sejas

Tu que infinitamente

és imantado

Onde tu estavas

quando cem mil negros foram trucidados

Estavas no grito

Da criança

enjaulada?

Na atenção das

cadeiras vazias

no Congresso?

Onde tu estavas

quando vinte mil mulheres

foram empaladas?

Estavas

no egoísmo dos plásticos

dentro do estômago da baleia?

Onde tu estavas

quando quinhentas

árvores foram queimadas?

Em nossa voz

derretendo

na casa vegetal da Alma?

No túrbido heredograma?

Na rutilância sombria

se vendo em nosso sangue?

Sim, sentimos o rio secando

dentro dele...

Em ti

o Anjo de Benjamin pede

um cigarro de luz

para o Saturno de Goya,

O que eles dizem

um ao outro?

É o nosso verdadeiro nome?

Queimando as camadas de névoa que se adensam

em volta da ficção-vida,

mas as fontes estão em outro lugar


Anti-prece

dissipa a névoa porque nenhuma palavra consegue entrar,

você foi um peixe nadando dentro de um pássaro, dos pássaros,

o paraíso que esteve nos olhos de quem o viu

, floresta em volta do teatro,

anjo do lençol freático

procurando o curso dos silêncios

cancelando a necessidade de haver pessoas

em troca da imanência de todas as árvores que andam

, agora vai começar o deus

na fotossíntese do caracol

a fotossíntese no lugar do orgasmo

ou seja a morte,


* Estes poemas são parte do livro inédito A ÁGUA VEIO DO SOL, DISSE O BREU OU TAMBORO TEKO PORÃ TAMBORO Y ' Y ' 


Marcelo Ariel é poeta, ensaísta e performer. Ou o Silêncio Contínuo, lançado pela Editora Kotter em 2019, reúne 30 anos de sua atividade poética. Em 2020, lançou pela mesma editora Nascer é Um Incêndio Ao Contrário, com ensaios e crônicas. Vive em São Paulo, onde coordena cursos de escrita com Liliane Prata.  

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