Brisa Alkimin e a importância de desaprender

por Ian Uviedo

Brisa, antes de tudo, agradecemos sua disponibilidade em conceder essa entrevista para a edição erótica da RevistaRia. Para começar, gostaria de perguntar como a poesia entrou na sua vida. O que te levou a escrever e o que te conduziu para a poesia erótica?

A escrita, de uma forma geral, entra em minha vida como uma tentativa de suprir "buracos", entende? Eu não conseguia falar o que me incomodava, então escrevia. Por sentir medo de ser lida e até talvez como uma forma de auto censura, eu queimava ou jogava fora as confissões que fazia aos papéis. Quando parei de queimar meus escritos, me entendi enquanto poetisa.

Já o fio condutor para a poesia erótica foi puxado pelo desejo, pela curiosidade, pela vontade. Uma grande parte da minha escrita erótica vem da fantasia, da possibilidade, da imaginação e da falta. O erotismo diz muito sobre a falta.

Na leitura de seus poemas, é notável o encontro que você proporciona entre erotismo e posicionamento, como nos versos: me pinta de boneca para a hora da urgência/ a que ele lembra de brincar quando seu mundo desmorona// ele reproduz as mesmas lógicas comigo,/ de senhor de engenho e mucama// e nem percebe. Paul B. Preciado já disse que o corpo é a nossa principal ferramenta política. O erotismo é ideológico?

O erotismo é plural e multifacetado. Ainda não consigo responder se o erotismo é ideológico, mas veja: eu acredito firmemente no desaprender. Não na desconstrução, mas sim no desaprender. Desaprender o que nos foi introjetado por séculos e admirar outras perspectivas; que nem são novas, mas que talvez tenham recebido mais visibilidade agora.

Meu corpo se torna protagonista quando escrevo, mesmo quando eu o visto com um tule de mistério. O tule é um tecido meio transparente, sabe? Revela na verdade o que o outro enxerga.

Quando escrevi o poema citado em versos na pergunta, eu só pensava no vômito de um corpo ferido. Não era erótico; uma denúncia, mas não erótico.

Agora, quando escrevo sobre o sexo ou a falta dele, isso se torna político, porque eu venho com uma outra perspectiva.

O erotismo pode ser político. O corpo é político. Instintivamente político.

Numa entrevista concedida por Marcel Duchamp a Pierre Cabanne, o artista francês afirma que o erotismo é "um meio de trazer à luz coisas que são constantemente esquecidas - e que não são necessariamente do erotismo - por causa da religião católica, por causa das regras sociais. Poder revelar estas coisas, e colocá-las voluntariamente à disposição de todo o mundo, considero importante, porque são a base de tudo o que se fala. O erotismo é um tema e, antes mesmo, um 'ismo' (...)". Reproduzo aqui a pergunta de Cabanne: qual a significação pessoal que você dá ao erotismo?

Protagonismo. Diz também sobre o desaprender que citei na resposta anterior. A escrita erótica pode ser a exaltação do amor, da paixão e do sexo dentro da arte, pode ser a manifestação do amor na forma lasciva, pode ser um estado de paixão, pode ser puramente estético, pode ser solitário e belo, nítido e escuro. O erotismo é feito para os seis sentidos. O erotismo é o desejo pulsante dentro da arte. Gustav Klimt disse que "toda arte é erótica", e essa talvez seja uma das minhas poucas certezas na vida.

O erótico traduz o oculto que está em todos nós. Uma das minhas intenções em escrever poesias eróticas é mostrar uma narrativa diferente da que me foi mostrada - e eu sinto prazer em mostrá-la.

A história da poesia erótica brasileira inevitavelmente passa pelas figuras de mulheres célebres, como, por exemplo, Gilka Machado, autora de Cristais Partidos e precursora do gênero no país. A presença de mulheres cis nessa história é fundamental e importante de ser mapeada, não há dúvidas, mas a atuação das mulheres trans escritoras parece continuamente apagada. Como você vê isso? Há, atualmente, uma mudança nesse sentido?

A literatura ainda não desaprendeu a ler outras narrativas que não sejam cisgênero. Antes de iniciar neste assunto, gostaria de agradecer a RevistaRia pelo espaço e oportunidade concedidos aqui. Eu sempre digo, na verdade sempre estamos dizendo, que o que pessoas trans precisam é de oportunidade e espaço. Mas honestamente, não consigo enxergar uma mudança nesse ambiente ainda tão apagado para nós. Talvez seja como uma neblina muito densa que poucos braços privilegiados ajudam a dissipar.

Para terminar, como é de praxe, você poderia indicar um livro e um filme em que o erotismo seja uma característica marcante?

Gosto muito quando Manoel da Costa Pinto diz que "quem compreende literatura não faz distinção entre literatura erótica e literatura que não tem erotismo", e que "o erotismo está na origem da própria expressão artística". Acredito que o erotismo esteja fixado de várias maneiras, perceptivas ou não, dentro da arte.

Mas indico um livro bíblico, "O Cântico dos Cânticos", cujos escritos inspiraram o poema que deixo aqui pra vocês. Alguns trechos do poema eu literalmente transcrevi de Cantares. O livro do início ao fim celebra o amor sexual. Acredito ter sido o escrito mais erótico que li na vida!

Gosto muito dos filmes noir da década de 1940 e do cinema latinoamericano das décadas de 1970 e 1980.

A canção mais erótica pra mim talvez seja "Besame Mucho", de Consuelo Velázquez.

Toda arte é erótica!

BRISA escreve sobre o limbo do desejo e da melancolia. Narra o erotismo e o afeto, bem como a ausência destes elementos e sensações. Na performance, testa seus próprios limites numa linha tênue entre sentimento e existência. Natural de Belo Horizonte (MG), é também compositora, arte educadora e estudante de moda e figurino cênico. Partindo da decolonialidade, Brisa pesquisa a influência de corpos negros e latinos na história da indumentária do século XX.

Leia os poemas dela publicados nesta edição.

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