Cineclube

Marcos Benuthe

Para um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco e vindo da periferia, com vinte e muitos anos, frequentador inveterado de tudo quanto é sala de cinema da cidade, ser convidado para trabalhar em uma das mais importantes e queridas do circuito alternativo, o cineclube Oscarito, vizinho do cine Bijou, no coração da praça Roosevelt, pré-teatros e pré-internet, no final dos anos 80, parecia um quase sonho.

A oportunidade de trabalhar com a grande paixão, com o objetivo de formar público, fazer um verdadeiro contraponto à mesmice do circuito comercial. Colocar em prática a essência do cineclubismo.

Mostras, filmografias, filmes garimpados, novos cineastas, num trabalho incessante de pesquisa, aprendizado e autoconhecimento.

Cada filme entrava e saía de cartaz, conforme a programação, independente de lotar todas as sessões, chegamos a exibir 400 longas em um ano! Loucura, vai e vem incessante de latas de filmes.

Logo colocamos em prática o Projeto Cinema na Rua para passar filmes em frente à Mercearia. Lâmpadas da rua devidamente encamisadas, breu total, aquele clima mágico do cinema, regado a cerveja gelada e programação afiada de curtas, animações, lançamentos, presença de cineastas e até da mídia, não tinha como não ser uma festa...

Enquanto isso o Oscarito bombava, sessões especiais para escolas, programação vertiginosa, mostras inesquecíveis, parcerias com Instituto Goethe, MIS, Aliança Francesa, Consulados, distribuidoras de filmes...

Sem deixar de falar da nossa grande festa mensal na última sexta de cada mês, o Noitão, com uma programação especial para varar a noite, até as 06:00 da manhã, não como os Noitões civilizados dos dias de hoje, com café da manhã, o nosso era selvagem, regado a cerveja e caipirinha, com os cinéfilos cambaleando no amanhecer da Roosevelt, feito zumbis de filmes, tudo comandado pelo Borracho-mor, o meu irmão Mirko, com seu isopor monumental.

Frenesi só interrompido pelo inevitável retorno aos braços do primeiro amor: Mercearia São Pedro.


foto: Jorge Filholini 

Marcos Benuthe, o Marquinhos: cinéfilo, leitor inveterado, amante da boa música, grande amigo e inspiração para todas as horas. Já não bastasse, é formado em economia e foi responsável da Mercearia São Pedro enquanto polo de criação e encontros - recentemente reconhecida pela prefeitura de São Paulo como Patrimônio Cultural -, sempre agregando escritores, poetas, músicos, jornalistas e artistas num dos recantos mais boêmios da Vila Madalena. Em 2020, concebeu e fundou a RIA, a livraria que reúne os livros, muitas vezes raros, que sempre foram vendidos na Mercearia, mas agora de forma autônoma, organizada e a fim de selar novas parcerias.

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