Dois poemas passageiros
Rodrigo Carneiro
arte: Arthur Cabral Braga
Mitologia
Há
os mitos d'África,
os
indígenas, os gregos,
que
atravessam, incólumes,
os
séculos em eternas
miríades
arquetípicas.
E
há uma espécie
tragicamente
brasileira,
cujo
prazo de validade,
num
piscar de olhos,
num
estalar de dedos,
não
raro, expira.
Dois mil e vinte
Históricos,
os
desafetos
perceberam-se
nas
extremidades
de
um
corredor
de
supermercado;
tinham
já
experimentado
o
mal-estar em
dividir
o
mesmo
espaço,
mas
ali, mascarados,
aparentemente
higienizados,
posicionados
ao
modo dos
pistoleiros
de
faroeste
espaguete,
viviam
uma inédita
modalidade
de
constrangimento.
Tendo
produtos
silenciosos
e
(alguns
deles)
fracionados
como
}audiência,
ambos
margearam
as
prateleiras
em
desfile
lento e
contrito;
quando
passaram
finalmente
um
pelo outro, cada qual
em
direção contrária,
os
olhares fizeram
as
vezes de rajadas
de
balas, num silêncio
ainda
mais ensurdecedor
do
que o emitido
pelos
itens ofertados.
Indiferentes
a
quaisquer
que
fossem
os amores
inconfessos
e as
relações
mal resolvidas,
as
irrefutáveis
especificações
de
segurança
daqueles dias
condenavam
sumariamente
a
vilania das aglomerações e
os
famigerados abraços,
beijos
e apertos de mão;
afinal,
vicejava diligente,
ainda
que negada
em
praça pública,
dispositivos
eletrônicos
e
pronunciamentos
equivocados,
a pandemia.
Rodrigo Carneiro escreveu para os jornais O Estado de S.Paulo, Folha de S. Paulo e Valor Econômico, para as revistas Bravo!, Rolling Stone Brasil, Alfa, Brasileiros, entre outras. Há textos dele publicados nos livros Zappa, detritos cósmicos (Editora Conrad), de Fabio Massari, e Discoteca básica, 100 personalidades e seus 10 discos favoritos (Edições Ideal), de Zé Antonio Algodoal. Foi editor-chefe e apresentador do site Showlivre.com, além de curador da área de música para instituições culturais. Assinou a pesquisa, as entrevistas e a consultoria do DVD O Fim do Mundo, Enfim, 30 anos do festival punk 'O Começo do Fim do Mundo' (Selo SESC). Faz locução publicitária e também é cantor e letrista da banda Mickey Junkies.
Foto: Johnny Macedo
Arthur Cabral Braga estuda Artes Visuais na UNESP, é iniciado em técnicas de desenho pela Ebac, e aluno e frequentador do ateliê de Rubens Matuck.
Foto: Gustavo Cruz
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