Dry Martini
Marcela Duarte
Escrevo
à noite, quando tudo é desespero
A
raiva e a ira incorporadas no Dry Martini
Marcas
da escrita duas folhas embaixo
Uma
DTM que desce pelo braço
Tudo
é duro e acre
A
luz para enxergar o papel
Forma
uma grande sombra da mão
Impedindo
que se volte no que acabou de ser escrito
Escrevo
incorporada de sentimentos
Os
sentimentos reprimidos de todos os meus ancestrais que não faziam terapia
Ou
não escreviam poesia
Recentemente
Mas
só muito recentemente
Talvez
por conta da idade avançada
Ou
da vontade de experimentar
Tentei
escrever de manhã
A
luz doce que entra pela cortina branca
O
corpo levemente gelado pelo vento que amansou uma noite inteira
A
respiração calma do meu peito que sobe e desce e sobe e desce embaixo do lençol branco
O
gosto salgado do Dry Martini
Remete
ao gosto de mar que fica na boca
Depois
de ir até a arrebentação e voltar
O
australiano como pás de ventilador com força
Para
vencer o repuxo que me leva para outro lugar
Antes
de tudo tem que se domar o mar
Minha
cama emana um calor de areia
E
eu enxergo a praia na parede branca
É
necessário buscar imagens de paz
De
amor
De
ternura
De
calma
E
de brancura
Para
escrever de manhã
Eu
quero mesmo escrever isso?
Ou
será apenas um exercício pensado para agradar?
Porque
o mar também tem noite
Também
tem raiva e ira
O
mar é duro
O
mar também sente
Ressaca
É
acre mais que o Dry Martini
O
mar tem os sentimentos de todos os seus ancestrais que não faziam terapia
Mais
os meus
O
exercício pode ser belo
Ele
não mexe comigo
Ele
é calmaria
Um
mar sem ondas
A
enseada onde se aprende a nadar no mar
(A
enseada também é mar)
Eu
quero capturar a hora que o mar resolve levantar uma onda
A
duração da onda
A
espiral da onda
Até
que ela se quebre em infinitas partículas de mar
Eu
observo isso da minha cama
Uma
calma incômoda
Porque
tem um leve cheiro de queimado do ventilador
Ele
pifou com o forno
E
no dia seguinte queimou a luz do corredor
Um
grande colisor de partículas na minha cama
Não
tem mar entre a Suíça e a França
-
Evita-se
colocar o pé no fundo
Porque
se sente o que não se quer sentir
Eu
sou todas as águas
Um
rio com correnteza
Uma
superfície calma que esconde
Redemoinhos
refluxos sumidouros
Alto
mar em dia de tempestade
A
transpiração das florestas tropicais
A
evaporação de ti, açude
A
chuva que refresca os telhados e lava a cidade
-
Visto
o quimono onde deste um nó cego
Para
te revisitar
Comi
a fruta que cheiraste
Para
te ter bem perto
O
mais perto
Cada
vez que tento me aproximar
Tu
te vai um pouco mais
Guardei
o cheiro doce
Uma
fruta tropical
Caudalosa
Não
climatérica
Plantada
na areia
Dunas
de ventos oceânicos
Colhida
na hora
Precisa
Frutos
não climatéricos não amadurecem depois de colhidos
A
fruta passa um pouco mais
Cheiro
de estrago
MARCELA DUARTE é jornalista e poeta expandida. Sua experiência começou com a dança. Depois de anos de balé clássico e ginástica rítmica, migrou para o sapateado, ingressando em uma companhia de sapateado contemporâneo. Desde a infância, além da dança, escreve poesia e contos. Após a faculdade de jornalismo, cursou a oficina literária do escritor Luiz Antônio Assis Brasil, quando participou da publicação de um livro de contos. Em 2017, ingressou na programação após a conclusão do curso Reprograma, que busca incluir mulheres na tecnologia. Desde então, se dedica ao estudo da linguagem Python. Em 2019, se formou roteirista pela Academia Internacional de Cinema (AIC), como complemento à atuação profissional. Em 2019, começou seus estudos de marcenaria, tendo em vista a produção de peças conceituais, e não funcionais. Em paralelo, começou a unir a poesia com a marcenaria. Em 2021, foi selecionada para a edição anual do curso Poesia Expandida, da Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, em São Paulo, encerrado em julho.
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