Marcelo Montenegro e a vida escandalosamente frágil

Entrevista do escritor e roteirista Marcelo Montenegro, por Ian Uviedo

Marcelo, no seu Garagem Lírica (Annablume, 2012) há uma citação do escritor uruguaio Felisberto Hernández: Roubava com os olhos qualquer coisa descuidada da rua ou do interior das casas e depois levava para a sua solidão. Essa ideia de observação, captura e ressignificação parece percorrer toda sua produção poética. Há nos poemas um gosto pelo detalhe, pela imagem passageira. Um ano depois do início da pandemia que nos lançou no isolamento, como se altera a natureza desse olhar? O acaso faz falta no labor da escrita?

Não no sentido de assunto encerrado, claro, mas o meu olhar para as coisas meio que segue o mesmo. Aliás, acho até que esse encantamento pelo detalhe, pelo efêmero, enfim, esse sentimento que tento captar nos meus poemas de como tudo é escandalosamente frágil, está mais aguçado por conta desse tempo triste que estamos vivendo. Agora, sim. Faz uma falta danada a rua, pegar trem, metrô, ver pessoas, cenas, essa espécie de disponibilidade cotidiana para o acaso, para o inesperado. O Nelson Rodrigues dizia que o que ele mais gostava em dia de Maracanã lotado era a sensação - meio baudelairiana até, né? - de estar no centro do mundo sem se sentir ninguém especial. É disso que eu sinto mais falta.


Além de seu trabalho como poeta, é notável sua atuação como roteirista de séries e seu envolvimento com o universo do teatro. Como você tem acompanhado as mudanças nessas áreas? O que vai se transformar? O que vai restar?

O trabalho de roteirista em si não teve muitas mudanças. O que tem sofrido mais é o que vem depois do nosso trabalho, que são as filmagens. No teatro, a tristeza é pensar nos técnicos, já que a imensa maioria não tem lugar - ou seja: não tem trabalho - nesse modo online. E puts, acho que tudo vai se transformar, tudo está se transformando. No quê, não faço ideia. Tem uma história, se não me engano do Mao Tsé-Tung, que eu adoro: quando perguntado sobre quais foram os principais efeitos da Revolução Francesa no mundo - era o aniversário de 150 anos da revolução, algo assim -, ele disse: ainda é cedo demais para responder.


Chegou ao meu conhecimento que há um livro novo a caminho, sua primeira publicação depois do premiado Forte Apache. Pode nos contar um pouco a respeito?

É uma seleção de posts de blog e facebook (incluindo poemas) que abrangem um período de quase 20 anos. Chama Vídeos Caseiros. Vai ser uma edição pequena, com baixa tiragem, e sai pela Corsário-Satã, o que é uma felicidade. Primeiro, porque sou fã da editora. Segundo, porque o Fabiano Calixto - que toca a Corsário com a Natália Agra e é meu amigo de muito tempo; começamos na poesia juntos, praticamente - foi uma das primeiras pessoas a me dizer, lá atrás, que eu devia reunir esse material um dia. E foi uma alegria mexer nisso tudo, escolher os textos, pensar numa narrativa, enfim, eu adoro o resultado, embora também me sinta meio inseguro de ver esse material num livro. Mas agora já era (risos).


Para terminar, será que você poderia indicar um livro e uma série para os leitores da RevistaRia?

Como ontem seria o aniversário de 81 anos da Orides Fontela, indico a Poesia Completa dessa poeta assombrosa. E a série, The Durrels, que assisti recentemente. É baseada na história real e encantadora de uma mulher que, em meados dos anos 1930, após perder o marido, decide deixar Londres para tentar a sorte na ilha grega de Corfu com os quatro filhos e sem nenhum puto no bolso. É uma adaptação da Trilogia de Corfu, livros de memórias do Gerald Durrell - apesar do escritor famoso da família ser o Durrell mais velho, o Lawrence.


Marcelo Montenegro (São Caetano do Sul, SP, 1971) é autor de Forte Apache (Companhia das Letras, 2018), que além do inédito que nomeia o conjunto reúne também os seus dois primeiros livros: Garagem Lírica (2012) e Orfanato Portátil (2003). Trabalha como roteirista de ficção e já escreveu séries para HBO, Netflix, GNT, MTV, Globo e Prime Vídeo, dentre outros. 

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