Uma playlist chamada sábado

Larissa Zylbersztajn

"A vida, por ser esse dom tão indescritível, não pode ser recebida de outra maneira senão com contentamento, alegria e uma resposta criativa para o sentido de uma dança cósmica. Se você fosse chamado para uma dança cósmica, você ficaria cabisbaixo?" Essa foi a resposta de Ailton Krenak para a questão levantada por José Miguel Wisnik no Roda Viva de segunda-feira passada, dia 19, a de como é possível falar sobre assuntos tão impactantes e angustiantes sem amenizar a gravidade da situação mundial que vivemos aqui no planeta Terra -"não plana, terra planta"- com alegria de viver e tanta sabedoria de quem nos avisa, esclarece e ilumina.

Mas onde fica esse lugar, como fazemos pra enxergá-lo quando ao mesmo tempo a apatia num país desgovernado nos dilacera? Numa das cidades invisíveis de Italo Calvino, existem duas maneiras de não sofrer no inferno. A primeira, mais fácil, é aceitar o inferno e tornar-se parte dele até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda, mais arriscada e que exige atenção e aprendizagem contínua, é tentar reconhecer no meio do inferno o que não é o inferno, preservar isso e abrir espaço.

Abrir espaço no inferno pode ser querer segurar o tempo no delírio da cena catarse na série Small Axe ao som de Janet Kay; tirar meia hora do dia pra conhecer o mundo construído pelo filho no modo criativo do Minecraft; ler um romance de uma autora que até então desconhecia, achar uma pintura muito maravilhosa; cortar a franja pela milésima vez e errar e rir; fazer uma playlist chamada sábado pra dar de presente, receber felicitações de aniversário, agradecer; colocar a moeda para fazer peso na agulha da vitrola, deixar o disco girar e cantar alto o refrão que a Gal nos pede tanta atenção. Juntar ao coro dos viventes na Terra com a possibilidade da mente flutuar em vários campos metafísicos é o que me faz acreditar que não estamos incrustados no Brasil filme de terror, descrito com tanta maestria pelo nosso saudoso Sérgio Sant'anna, uma das 375 mil vítimas da Covid 19 no país.

É nesse espaço, nessa dança cósmica que procuro respirar. Estar aqui na edição comemorativa de um ano do site da RevistaRia é oxigênio. O www que jogou tanta arte na teia com as colaborações de pessoas que admiro - parte com leveza e outra mais reflexiva, despertou gatilhos que de certa forma nos conectaram para o alívio da saudade.

Por menor que tenha sido a presença física na Rodésia, precisamos de elos significativos entre os amigos, livros e filmes, para que o mesão, os petiscos, e a boa e velha filosofia de boteco, que tanto estudamos e cuja práxis por hora não está sendo possível, nos façam salivar involuntariamente. Que brindemos ao www da RevistaRia e à Vida. Obrigada, Ian Uviedo, Marcos Benuthe, Morgana Kretzmann e Jarbas Galhardo.


Larissa Zylbersztajn é formada em RTV e retomou a vida acadêmica durante a pandemia. Já tocou flauta em cerimônias de casamentos e foi vocalista de algumas bandas como Verafisher e Sunglasses. Trabalhou em casas noturnas, emissoras de rádio e TV e em muitos festivais. É produtora de eventos literários além de coordenar a Casa de Irene Edições entre outros projetos. Uma leitora assídua. 

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