Luto
Adrienne Myrtes
2000 mortos me esperam no final do dia
É necessário cavar com as
mãos, na carne lacerada do meu corpo, um buraco onde caibam
2200,
2300,
na próxima esquina da semana
será possível encontrar
3000 (?)
E os números dizem pouco
Os números não foram feitos
pra dizer
Dois mil mortos
, assim,
contam da extensão do abismo
A cova cavada no centro do
meu peito não dá conta de tanta gente.
E a cada vinte e quatro
horas
mais
dois mil e cem,
dois mil e duzentos,
e trezentos
chegam e ali tentam se
instalar
posseiros do meu luto
A humanidade começa a
cheirar mal e meu estômago
fraco
se contorce
Os números desfilam nos
jornais
evoluem na voz dos
telejornais
e continuam sem dizer
números não têm outra função
além da matemática
F de X é igual a
todos iguais em suas
desigualdades
muitos ainda lutando
por
ar
uma luta que já perdi
que perdemos todos
cada família um
dois
mil
a família humana
uma
só
Tento deslizar as palavras
dentro da boca
acabo por mastigá-las na
intenção de extrair seus ossos
moer o esqueleto da frase
o tutano a ensebar meus
lábios
os dentes, osso do mesmo
osso
da sílaba
mudos
não há mais nada a ser dito
Não é mesmo possível mover
as palavras para a escrita
e dizer do volume de mortos
amontoados
e insepultos em mim
me doem as mãos
e me faltam braços
e faz falta
um
a
Adrienne Myrtes nasceu no Recife/Pernambuco e vive em São Paulo desde 2001.
É artista plástica e
escritora. Participou de algumas antologias, destacando: Os Cem Menores
Contos Brasileiros do Século, (Ateliê Editorial, 2004), 35 Segredos para
Chegar a Lugar Nenhum, (Bertrand Brasil, 2007) e Assim você me mata (Terracota
Editora, 2012). Publicou: A Mulher e o
Cavalo e Outros Contos (Alaúde e eraOdito, 2006), o romance Eis o Mundo
de Fora (Ateliê Editorial, 2011) cujo projeto recebeu o Prêmio Petrobras
Cultural 2008/2009, a novela Uma História de Amor para Maria Tereza e
Guilherme (Terracota Editora, 2013) e Mauricéa (Edith, 2018),
finalista do Prêmio Jabuti, 2019.
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- LUTO,
Paulo Scott
- Labirinto, Marcela Lordy
- Três Poemas de Luto & Levitação, Ronaldo Bressane
- Poesia para matar o corona, Lucas Lins
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- Carta ao meu Vô Armin, Morgana Kretzmann
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