Cor(r)es
Valéria Barcellos
Lá no canto
da boca existia um sorriso.
A boca só
gritava e era só o que viam,
Mas o
sorriso estava lá...
A boca era
vermelha, o grito era colorido
A pele era
preta
Mulher preta
travesti
Assim era...
A boca que
grita, com um sorriso escondido no canto da boca,
Foi uma boca
que já falou, beijou, gritou, cantou
Amou,
chupou...
A mão
acarinhou, amou, acenou,
Defendeu,
trabalhou
Pegou em
pedras, paus e paus, punhetou, siriricou
O corpo deu
Deu tudo de
si, desceu e
Foi de tudo
O corpo já
deu as mãos, já perdeu as mãos, suou de amor, de prazer, de dor, de pavor, de
horror, de humor, de furor, de torpor
Mas agora já
deu, acabou.
No canto da
boca
Na esquina
da vida
Sete cores
Muito tons de vermelho,
De nunca ver melhor,
Ninguém vê.
Verde verdade,
Ver de verdade, também não...
Amarelo, amar é elo que rompe
Violeta, é violência na cara, no soco na
face
Laranja, lá e arranja um resto, um treco,
um troço...
Azul, há zunidos nos ouvidos pela
gritaria, zombaria, patifaria, faria?
Nunca fazes!
Não são fases.. Não somos fezes coloridas
envoltas num pano preto.
A nós luto é verbo, e dor na mesma
proporção.
No canto da boca havia um sorriso e
sempre haverá e esse sorriso só quer atravessar o outro canto da boca, passear
pelos lábios e se enxergar de canto a canto.
Valéria Barcellos é multiartista. Cantora, atriz, dj, performer, escritora, compositora, aspirante a fotógrafa e artevista plástica, ativista e milituda. Ela é a vontade humana de dar vez e voz às mulheres pretas e trans. Ela é negra e trans, uma mulher que quer tudo ao mesmo tempo. Uma mulher que é tudo que quiser. Em 2020, publicou o livro Transradioativa: você me conhece porque tem medo ou tem medo porque me conhece? Acompanhe em https://www.facebook.com/transradiotiva/.
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Entrevista