Lucas Lins e a escrita da rua interrompida

Entrevista do escritor Lucas Lins, por Ian Uviedo

Lucas, recentemente, em ocasião da pandemia, você elaborou o projeto de escrita diária Poesia para Matar o Corona, que fez sucesso em suas redes e chegou a ser traduzido no México. Pode nos contar um pouco como foi o processo de criação deste trabalho e como a pandemia afetou sua produção poética?

Eu nunca tinha tido a dedicação de escrever todos os dias e quando começou a pandemia eu senti a necessidade de registrar os meus dias. Foi na madrugada do primeiro dia de isolamento aqui em SP que me veio esse título: Poesia Pra Matar o Corona. Para conseguir cumprir essa rotina de escrita, postei em minha rede social o texto "Poesia pra matar o Corona #1" e as pessoas aguardaram o #2, o #3, o #4... E assim segui durante 70 dias. Sabia que nem todos os dias sairiam grandes poemas, mas o principal era praticar a poesia.

A pandemia me fez voltar à escrita que eu tinha em Declínio & Esplendor da Bicicleta, de 2018, uma escrita mais emotiva, mais pessoal. Expondo as minhas dores e a minha angústia de estar isolado. Mas também há textos que escrevo sobre as ruas, a situação política do país e as relações humanas. Mais parecidos com os meus textos recentes.


Sua participação na cena do SLAM paulistano é notável. Como você tem sentido essa distância dos encontros da rua, e como o slam tem feito para contornar esta ausência?

Eu agradeço pela generosidade, mas notável na cena do Slam é Pieta Poeta, Kimani, Midria, Aflordescendente, Poeta Beka... Quando eu frequento um slam é apenas para ouvir. Eu participava do Slam Perplexo, uma modalidade diferente, são poemas de até 15 segundos.

Inclusive foi no Perplexo a última vez que recitei em um evento presencial. Os slams continuam acontecendo de forma virtual, com poetas de diferentes regiões do país, mas eu sinto falta daquela energia do encontro presencial.


Dois livros depois, mais o projeto de escrita diária, como anda sua produção no momento? Há novos projetos no horizonte?

Estou bem feliz com o recente convite de João Varella para publicar o Poesia Pra Matar o Corona em sua versão física pela Livraria Digital. Vai ser a minha estreia por uma editora, os meus dois livros anteriores foram produzidos na minha casa mesmo, feitos à mão, de forma artesanal. Estou animado com esse novo passo na minha trajetória, o livro ainda está em processo gráfico.

Tenho um outro projeto que comecei a escrever durante uma oficina com Marcelino Freire em 2019, mas com a chegada da pandemia esse projeto ficou na gaveta, vez ou outra revisito os textos, são poemas de uma escrita bastante geográfica, falam sobre futebol de várzea, baile funk, deslocamento pela cidade, essas celebrações e dilemas de quem atravessa a cidade de SP para trabalhar ou estudar. Mas é um projeto que precisa das ruas para continuar sendo escrito.


Um dos seus trabalhos que eu mais gosto é o vídeo-poema McDonald 's na Quebrada (assista aqui). Qual a sua relação com a linguagem cinematográfica e como foi para você inserir a linguagem poética dentro das imagens?

Eu gosto de escrever coisas cotidianas, quero que quem leia caminhe comigo, conheça meu bairro, conheça São Paulo ou o lugar onde estou escrevendo. Eu escuto Geraldo Filme, Adoniran Barbosa, Racionais Mc 's. Compositores que trabalham muito essa poesia das ruas em seus versos. Carolina Maria de Jesus, Solano Trindade, Miró da Muribeca. Tudo isso me inspira, é o tipo de escrita que mais gosto de produzir.

McDonald 's na Quebrada é fruto disso, nasceu na oficina literária do Marcelino Freire, num exercício de palavra oculta, eu tinha que escrever sobre a palavra "gula". Lembrei da repercussão da chegada do quiosque do Mc Donald 's aqui em Cidade Tiradentes, fiquei acompanhando essa movimentação e escrevi o poema. Quando recitei lá na oficina, o Rodrigo Febrônio disse que isso precisaria virar um vídeo, convidei o Ronygrafia e gravamos em uma tarde. Foi um sucesso absurdo, muita gente conheceu o meu trabalho a partir desse poema. O impressionante é que esse quiosque é apenas de "casca e massa/nem vende lanche com pão", como eu digo no poema. Meses depois chegou o fast-food com os lanches, costumo dizer que a franquia veio por conta da poesia.


Para terminar, pode indicar um livro para os leitores da RevistaRia?

O Amor nos Tempos de Cólera, de Gabriel García Marquez. Eu estou fissurado nesse livro, estou fissurado pela escrita do Gabo. Não vou dar spoiler aqui, apenas leiam esse livro, pelo amor de Deus.


Lucas Lins reside na zona leste de São Paulo, e é autor dos livros Remando Contra a Maré (2016) e Declínio & Esplendor da Bicicleta (2018). Foi Residente Literário da FLIM 2019. Em 2020 produziu a série de poemas sobre a quarentena intitulada Poesia Para Matar o Corona, trabalho com destaque no Jornal Estado de SP, Revista Select e publicado na revista mexicana Bitácora del Encierro. 

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