Téo Serson
Gabinete de trabalho
I.
O que fazem os poetas afinal?
Bom, em primeiro
lugar
Cada poeta faz
uma coisa
E como fazem os poetas?
Cada poeta faz de um jeito
Por que fazem os poetas?
A única questão
da poesia
É como escrever
poesia
E eu escrevo
No meu gabinete
de trabalho
II.
Caminho pelas
ruas do meu bairro triste
Em uma cidade
qualquer do hemisfério sul
As árvores nem me
apelam nem me importam
E não são minhas
No meio de tanta
gente
Eu sou
ninguém
(E não me
incomodo)
A tarde grisalha
despenca com gosto amargo de granizo
O chumbo na calha
dos telhados
Um cansaço áspero
Nos rostos cheios
de penumbras
Das pessoas
Eu sou um homem
sozinho
Disfarçado
E sinto muita dor
Antes de
escurecer eu já estou em casa
De pantufas, eu
fumo e olho pela janela
E me sento
No meu gabinete
de trabalho
III.
O meu gabinete de
trabalho
É simples
Uma escrivaninha
Um abajur
Alguns livros
Cadernos e papéis
soltos
Uma caneta
Um cinzeiro
Um relógio
Um pouco de ordem e um pouco de caos.
IV.
Alguns fazem de
seus sentimentos
Um gabinete de
trabalho.
Outros, do
dicionário.
Outros escolhem
as ideias ou as vidas
(Próprias ou
alheias).
Um desejo
reprimido.
Uma causa
política.
Um problema
metafísico.
Um grande amor.
Alguns fazem da
mesa de bar
Um gabinete de
trabalho.
Outros fazem dos
livros
E dos labirintos
infinitos das bibliotecas
Um gabinete de
trabalho.
Alguns escrevem
no papel,
Outros no
computador.
(Uns a lápis, uns
a caneta).
Outros escrevem
em maços de cigarro ou mesmo em guardanapos usados e pedaços de papelão.
Alguns pensam
muito antes de escrever.
Outros escrevem
sem pensar.
A grande maioria
não sabe como escreve
E não escreve
todos os poemas do mesmo jeito.
Alguns
escrevem
Uma única poesia
a vida toda
(Os santos;
Não
necessariamente os melhores poetas)
Alguns fazem do
indivíduo
Um gabinete de
trabalho.
Outros, da
sociedade.
Escrevem
Sobre tudo o que
há no mundo
E um pouco mais
Mas eu não
escrevo sobre o mundo.
Eu não escrevo
sobre isso.
V.
O meu gabinete de
trabalho
Tem um rumor de
templo,
Uma liturgia
própria,
Um vestir-se
adequado
A folha em branco
Convoca à um
asceticismo peculiar
(Uma reverência,
um silêncio,
Uma espera)
Na folha em
branco
(Para aqueles que
sabem ver e esperar)
Abrem-se os olhos
silenciosos de Deus
(E eu espero)
VI.
O meu gabinete de
trabalho
Tem um rumor de
guerra
Como se tudo o
que um dia já foi inventado pelo homem
Lutasse na minha
página
Até a morte
E a palavra luta
contra o silêncio
O poema com o
poeta
A lâmina da tinta
luta contra
A esterilidade
mineral da lauda
(E eu luto)
VII.
O meu gabinete de
trabalho
Tem um rumor de
festa
Como se nele se
misturassem
Todas as alegrias
das gentes
Como se eu
pudesse ouvir
Urros de
embriaguez e prazer
No seu silêncio
profundo
Como se a dança
dos objetos
Em cima da
escrivaninha
Ouvisse
música
(E eu canto)
VIII.
Eu sou um homem
comum
Qualquer um
Enganando entre a
dor e o prazer
Hei de viver e morrer como um homem comum
Eu me sento
No meu gabinete
de trabalho
Eu faço
Do meu gabinete
de trabalho
O meu gabinete de
trabalho
A minha sina
E único
ofício
Assumo a tarefa;
Construo
pacientemente cada esquina desse mundo
Numa folha de
papel
(Um mundo de
palavras numa folha de papel)
Cercado pelo
abajur
Pelos livros e
cadernos
E folhas soltas
E pela caneta
Pelo cinzeiro
Pelo relógio;
Pelo caos e pela
ordem
Em cima da mesa
Eu faço do
escrever
O único propósito
do meu escrever
Escrever sobre
escrever
Escrever sobre
escrever sobre escrever
A única questão
da poesia
É como escrever
poesia
E eu escrevo.
TÉO PULITI SERSON, 21 anos, é um poeta paulistano que explora na sua produção caminhos diversos e caóticos, que se entrechocam e afastam, e que buscam, todos, investigar a própria pergunta de como escrever poesia. Além de poeta, Téo é baixista na banda Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo e estudante de graduação em filosofia na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH - USP).