Sérgio Rodrigues, uma paixão e um ato de fé
entrevista exclusiva do escritor e roteirista Sérgio Rodrigues, por Morgana Kretzmann
foto: Renato Parada
Vamos começar pelo seu estado natal, Minas Gerais:
Minas
Gerais é...
Uma fotografia na parede. Mas como
dói!
Qual
seu time de futebol em Minas?
Na infância fui torcedor do
Cruzeiro, que hoje está sofrendo tanto. Isso foi num tempo em que o futebol se
organizava mais em termos locais, e nós tínhamos simpatias espalhadas pelo
país. No Sul, eu era Inter. Mas lá em minha cidade natal, Muriaé, tínhamos uma
grande influência cultural do Rio, o futebol carioca já era o que chegava com
mais força.
Que
escritora ou escritor de Minas mais lhe influenciou?
Ih, tantos. A literatura mineira é
um país. Acho melhor pecar pela obviedade do que pela injustiça: o mineiro que
mais reli na vida, nos momentos mais diferentes, sem nunca deixar de descobrir
riquezas novas, é Carlos Drummond de Andrade.
Um
livro em que a história se passa lá...
Vila
dos Confins, de Mário Palmério.
Um
artista, intelectual ou personalidade mineira que ainda não teve o
reconhecimento público merecido...
O cantor e compositor Lula Ribeiro,
meu parceiro. Que aliás é sergipano, mas é mineiro de Belo Horizonte.
Uma
saudade de lá...
Da minha infância.
Um
arrependimento de lá...
Não me lembro de nenhum. Imagino que
isso signifique que não tenho.
Agora vamos ao estado que você escolheu para morar, o Rio de Janeiro:
Qual
o seu time de futebol no estado?
Flamengo. Já era meu time desde
Minas.
Aponte
uma escritora ou um escritor marcante do Rio.
Rubem Fonseca. Minha geração é filha
dele.
Um
livro em que a história se passa aí...
Dom
Casmurro.
Um
artista, intelectual ou personalidade carioca que ainda não teve o
reconhecimento público merecido...
A poeta Gilka Machado (1893-1980).
O
Rio de Janeiro é um polo de...
Milícias.
O
Rio de Janeiro continua...
Abusando do nosso amor.
E
para finalizar: Viva a língua brasileira;
a língua brasileira de hoje está sendo falada onde?
Em toda parte. Toda língua é meio
bagunçada e a nossa nem se fala. Até a cafonice pedante do juridiquês e a
jequice anglófila do corporativês são, de alguma forma, língua brasileira.
Acreditar que disso tudo nós vamos ser capazes de destilar um álcool fino, um
registro literário próprio e único, não deixa de ser um ato de fé. Mas eu
acredito.
Literatura
e futebol são...
Duas das coisas que fazem a vida
valer a pena.
No
seu livro O Drible algumas questões
sociais e políticas são abordadas na forma de metáforas. A história do futebol
brasileiro poderia ser uma metáfora para a história da política brasileira?
O futebol brasileiro é uma fonte
inesgotável de metáforas para qualquer coisa que a gente quiser. Neste momento,
decadente e com o prestígio internacional estropiado, parece espelhar mais uma
vez o país. O risco disso é justamente, pela facilidade simbólica, a gente
acabar com um punhado de metáforas banais nas mãos, lugares-comuns. E futebol
sem surpresa é um tédio.
Que
outro sentido narrativo você daria para a palavra "drible" em face do
desempenho do atual governo federal?
Um que radicalize a ideia de
invenção e surpresa que existe em todo drible, para superar o marcador mais
desleal, violento e implacável que já enfrentamos. Um marcador que, reparando
bem, é a nossa cara. O
Brasil vai ter que aprender a driblar sua própria imagem no espelho.
Impossível? Talvez. Mas todo drible é impossível antes de ser inventado.
Você
disse em uma entrevista que seu último livro, A Visita de João Gilberto aos Novos Baianos, era uma tentativa de
se reapaixonar pelo Brasil. Essa paixão voltou?
Ela sofre arranhões, mas nunca vai
embora. Desde que lancei o livro, há mais de um ano, ficou mais unilateral e não
correspondida. O Brasil é uma aplicação afetiva de longo prazo.
Em
relação ao Brasil atual, nós, o povo, vamos ganhar ou perder esse jogo?
Quero acreditar que o lado boçal,
grotesco, atrasado e fascista do país vai perder no fim. E de goleada. Seria uma
tristeza infinita e o maior desperdício do universo se não fosse assim. Mas
parece que a virada ainda vai demorar.
Sérgio Rodrigues (1962) é um escritor e jornalista mineiro que vive no Rio. Seu romance O drible (Companhia das Letras), um drama de família que tem como pano de fundo a história do futebol brasileiro, ganhou o prêmio Portugal Telecom (atual Oceanos) de 2014 em duas categorias, Melhor Romance e Livro do Ano, além de ser finalista do prêmio São Paulo e do Jabuti. João Máximo, decano do jornalismo esportivo, saudou o romance como "o melhor já escrito sobre futebol em qualquer idioma", e o craque Tostão, como "o livro que eu gostaria de ter escrito".
Entre os dez títulos que Sérgio publicou, de ficção e não ficção, destacam-se ainda o volume de contos A visita de João Gilberto aos Novos Baianos, o romance Elza, a garota e o almanaque linguístico Viva a língua brasileira!. Seus livros foram lançados na Espanha, nos EUA, na França e em Portugal. É colunista do jornal Folha de S.Paulo e roteirista do programa de TV Conversa com Bial.
Leia também
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- Usando sapatos cravejados de pregos, Ian Uviedo
- A peleja, Marta Neves
- Camiseta, Morgana Kretzmann
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