Catarina

Helimar Macedo

No terço eu vi uma menina do meu tamanho, cabelo enroladinho. Ficava lá fora jogando os sapos do terreiro pra longe. No terceiro dia eu falei pra minha mãe que tava com uma dor na perna e tinha que sentar. Fui lá fora. Só tinha a gente de criança. Perguntei se ela não gostava de rezar. Eu rezo em pensamento, me disse.

Comecei a sacudir os sapos junto com ela. No outro dia ela apareceu em casa montada num cavalo. Ia pra cima e pra baixo procurando alguma coisa. Quando virou a cara vi os dentes saindo da boca. Eu não tinha visto na noite do terço. E eu lá queria saber, Catarina era mais importante que qualquer coisa que eu soubesse depois. Mesmo quando descobri que seu apelido era cara de cavalo.

Daí em diante eu comecei amar. Depois eu descobri que a gente estudava na mesma escola e ouvi os moleques da 6ª B chamando ela de sapatão. Com o pé apoiado na parede, ouvia tudo e depois mandava eles cagar rodando. Só Catarina ia de botas e cavalo pra escola. Na saída esperei na sombra onde o cavalo dormia em pé. Ela saiu, tava com as esporas na mão. Catarina, não dê ouvidos àqueles meninos, você é mais que eles. Não precisa me dizer, eu sei, mas ninguém tem coragem de disputar pega de boi comigo. Ela terminou de calçar as esporas, montou e saiu num pinote.

Minha mãe percebeu eu meio esquecido, comendo pouco. Dia sim, dia não, Catarina aparecia no terreiro de casa.

Ela me deu um beijo na boca escondido. Minha mãe veio perguntar o que ela queria tanto. Não quero você perto dessa menina, tu sabia que o pai dela é envolvido com coisa errada? Tu sabia que ela vive fazendo trança em cavalo que nem com reza é desfeita? Tu sabia que essa menina não tem mãe? Não quero você perto dela, essa menina não presta, sinto que ela tem um mal pra me fazer. De noite, no terço, Catarina me deu outro beijo sem eu esperar. A língua dela entrou na minha boca e me afastei. Aí fui deixando.

No outro domingo ela almoçou em casa. E mesmo sem mãe aceitar, eu levei. Meu pai era quem ficava puxando conversa e minha mãe entronchava a cara. Por mais que ela não gostasse do meu pai, tinha ciúmes de ver ele se abrindo pra outra, mesmo que fosse uma menina. Eu tava me sentindo escanteado na conversa, o velho tava muito sorridente pro lado dela. Chamei Catarina pra ver umas galinhas que eu tava engordando pra vender. Meu pai veio atrás. Vai continuar falando? Ele se tocou e entrou em casa.

HELIMAR MACEDO é pernambucano. Nascido no interior, viveu a fase adulta no Recife. Tem três livros de poesia publicados de forma independente. Vive em São Paulo desde 2017. Foi aluno do CLIPE da casa das rosas. Tem contos e poemas publicados nas revistas Lavoura, USO, ruído manifesto, Torquato e Aboio.

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