Andrea del Fuego, na borda da piscina escrita
entrevista exclusiva com a premiada escritora Andrea del Fuego, por Morgana Kretzmann
1 - Andréa,
tu tem uma escrita muito característica. Quando lemos teus
textos sabemos
que estamos te lendo. Eles vão do realismo fantástico de
uma localidade
rural até a solidão mais urbana. De vontades ocultas
originadas de
pessoas comuns até a religiosidade vivenciada de forma
mais extrema. O
que te leva a escrever essas histórias? Como tu chega às
tuas personagens?
R - Eu não cheguei, só me aproximei deles. Isso é o
que me fascina na escrita
literária, estar sempre na borda porque a piscina
se afasta a cada passo.
Nessa tentativa, claro, recolho o que consigo. O
que me leva a escrever é
tentar cair nessa piscina, de barriga. Fico anos
sem publicar, mas não sem
escrever. Ficar com o texto em recolhimento, em
formação e contínua feitura,
também tem sido uma experiência mais autêntica.
2 - Os
Malaquias, teu romance que venceu o Prêmio José Saramago,
começa com uma
história que aconteceu na tua família, no interior de
Minas Gerais.
Como foi o processo de escrita dessa obra? Dez anos
depois, a
história do livro continua atual - essa história que é tão
universal.
Considerando isso, alguma vez te falaram que este teu
romance,
especificamente, remeteria ao que se conhece por literatura
regional? E
aproveitando, como tu vê hoje em dia, em um mundo em que
as realidades
estão expostas, e conectadas, a pertinência do termo
literatura
regional?
R - Escrever Os
Malaquias foi uma experiência que me ensinou a escrever Os
Malaquias. Outra coisa que
me deixa intrigada, um livro não ser farol para o
livro seguinte, eu sempre começo do zero da
linguagem e do tema. Tanto que
eu poderia criar um pseudônimo para cada livro,
salto de um galho para outro,
mudando a abordagem e a linguagem, estou sempre
em novo canteiro de
obras. O que sobra da experiência das escritas
são a cara de pau e a
disciplina. Tem toda razão, com realidades
conectadas, o termo regional como
afastado caiu por terra. Nunca pensei Os Malaquias como regional, os
centros urbanos também são regiões com contorno,
particularidades, a
identidade daquele ajuntamento.
3 - São
Paulo é uma megalópole. Uma efervescência cultural permanente
onde está a
maioria das escritoras e escritores, atrizes e atores, músicos,
artistas
plásticos do Brasil. A cidade já foi cenário para muitas obras
(livros, filmes, músicas). O quanto ela, a cidade, influenciou na tua
obra?
Na geografia
geral da cidade, onde estariam as pessoas que inspirariam
boas personagens?
R - Detesto amar tanto essa cidade, porque isso me
prende nela. Não preciso dar
conta de ver tudo o que ela oferece, apenas
sentir que pulsa e cria horizontes
artísticos a todo momento. São Paulo tem
horizonte indoor, fica dentro,
precisa
garimpar, gosto desse gesto de quem vai ao brechó
encontrar a peça única e
cheia de uso. São Paulo tem isso. Escrevo a
partir desse brechó, As Miniaturas
acontece em São Paulo, Os Malaquias foi escrito a
partir de São Paulo, do
olhar de apartamento que acaba por concentrar e não
dissipar. Colhemos
personagens em toda parte, sempre os melhores são
os menos chamativos,
aquele discreto e diluído na multidão.
4 - Tu está
escrevendo um novo romance. Poderia nos falar um pouco
sobre ele?
R- Tenho dois originais, um está pronto, outro em
processo. Vou começar o
terceiro que, por enquanto, só tem título. É a
primeira vez que começo um livro
pelo título. A quarentena também me fez escrever
poemas. Digo a quarentena
porque só mesmo sentindo-me presa e não observada
é que me dei essa
ousadia.
5 - Por
último, e aproveitando a tua experiência como ministrante de
oficinas de
criação literária concorridíssimas, qual o primeiro conselho
que tu dá às tuas
alunas e alunos? E qual o último? E, para terminar de
verdade, você
poderia indicar um livro que tenha te marcado, dizendo
para nós por que
te marcou?
Dou oficinas há dez anos, mas foi nos últimos
três que me apaixonei por elas.
Meu lugar diante da escrita alheia é apenas
facilitar seu fluxo, conforme vou
desaparecendo, os textos se erguem. Analiso-os em
comparação com os próprios
textos do aluno, seu andamento em relação aos
estímulos mais diversos. São
chaves de ignição, ligam os motores. Meu primeiro
conselho é lembrar a
fragilidade e o fracasso que fazem parte da
escrita, texto é um processo que
falha e também alumbra, é poroso e vivo. Não há
último conselho porque essa
conversa nunca acaba, a escrita é espantosa.
Neste momento estou num
corpo-a-corpo com ''O conceito de angústia'' do
Kierkegaard, largo e volto num
amor e ódio com suas saídas literárias para lidar
com esse conceito que, para
ele, é a ''vertigem da liberdade''.
Andréa del Fuego é escritora, formada em Filosofia pela USP. Autora de oito livros entre contos, infantis e o romance Os Malaquias (vencedor do Prêmio José Saramago) publicado em Israel, Alemanha, Itália, França, Romênia, Suécia, Kuwait, Portugal e Argentina. Ministra oficinas de escrita criativa e atualmente pesquisa a obra de Raduan Nassar na Filosofia (USP).
foto: André Sader
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